USURPAÇÃO - Damásio de Jesus
Alteração de Limites
1. CONCEITO E OBJETIVIDADE JURÍDICA
Alteração de linwtes, de acordo com o art. 161, caput, do CP, é o fato de
"suprimir ou deslocar tapume, marco, ou qualquer outro sinal indicativo de
linha divisória, para apropriar-se, no todo ou em parte, de coisa imóvel alheia".
O CP protege a posse e a propriedade dos bens imóveis.
2. SUJEITOS DO DELITO
Sujeito ativo só pode ser o proprietário do prédio contíguo àquele em
que é realizada a alteração de limites. Isso ocorre porque somente o proprie-
tário do prédio limítrofe poderá, suprimindo ou deslocando tapume etc.,
beneficiar-se do imóvel alheio. Sujeito passivo é o proprietário ou possui-
dor do imóvel em que a conduta típica é realizada.
3. ELEMENTOS OBJETIVOS DO TIPO
A conduta típica consiste em suprimir ou deslocar tapume, marco ou
qualquer outro sinal indicativo de linha divisória. Suprimir significa fazer
desaparecer, anular. Deslocar quer dizer tirar do lugar. O comportamento
se dirige a tapume, marco ou qualquer outro sinal indicativo de linha divi-
sória. Tapumes são as cercas vivas, de arame farpado ou de madeira etc.
(CC, art. 588, § 2º). Marcos são sinais de pedra, madeira, cimento etc., que
servem para delimitar o imóvel. O CP se refere ainda a qualquer outro sinal
indicativo de linha divisória, como estradas, caminhos, muros, árvores etc.
4. ELEMENTOS SUBJETIVOS DO TIPO
O crime só é punível a título de dolo, consistente na vontade de supri-
mir ou deslocar tapume, marco ou qualquer outro sinal indicativo de linha
divisória. A incriminação, entretanto, exige outro elemento subjetivo do
tipo, contido na expressão "para apropriar-se, no todo ou em parte, de coisa
imóvel". Não basta que o sujeito tenha agido dolosamente. É necessário
que pratique a supressão ou deslocamento de tapume etc., com finalidade
específica de apropriar-se total ou parcialmente do imóvel alheio.
5. ELEMENTO NORMATIVO DO TIPO
Está contido na expressão "alheia". Assim, não há fato típico quando
se trata de imóvel próprio.
6. QUALIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA
A alteração de limites é crime formal e não material. Isso decorre da
circunstância de o tipo descrever a conduta (suprimir ou deslocar) e o re-
sultado (apropriação total ou parcial do imóvel alheio), não exigindo a sua
produção. Como se nota na definição legal, é suficiente que o sujeito rea-
lize a conduta para o fim da apropriação. Este é o resultado visado. Entre-
tanto, não é necessário que efetivamente se aproprie total ou parcialmente
do imóvel alheio. Trata-se de crime de consumação antecipada, consuman-
do-se no instante imediatamente anterior à produção do resultado.
7. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA
A alteração de limites atinge a consumação com a efetiva supressão
ou deslocamento de tapume, marco etc., não sendo necessário que alcance
efetivamente o objetivo visado. A tentativa é admissível, desde que o sujei-
to não consiga suprimir ou deslocar o sinal indicativo de linha divisória por
circunstâncias alheias à sua vontade. Ex.: o agente é surpreendido no ato de
iniciar a retirada de palanques de uma cerca.
8. PENA E AÇÃO PENAL
A alteração de limites é punida com pena de detenção, de um a seis
meses, e multa.
Se o agente usa de violência, incorre também na pena a esta cominada
(§ 2º). Isso significa que se emprega violência física, ocorrendo lesão cor-
poral, responde por dois delitos em concurso material: alteração de limites
e lesão corporal leve, grave ou gravíssima. O mesmo acontece quando,
empregando violência, vem a matar alguém. Se apenas realiza a conduta
com vias de fato, estas ficam absorvidas pelo crime, não sofrendo punição
autônoma. Se a propriedade é particular e não há emprego de violência, a
ação penal é de natureza privada. Caso contrário, se a propriedade é públi-
ca e o sujeito emprega violência, a ação penal é pública incondicionada.
USURPAÇÃO DE ÁGUAS
1. CONCEITO E OBJETIVIDADE JURÍDICA
Usurpação de águas constitui o fato de o sujeito desviar ou represar,
em proveito próprio ou de outrem, águas alheias (CP, art. 161, § 1º, I).
O CP protege a inviolabilidade patrimonial imobiliária, no que concerne
à utilização e gozo das águas, que são pelo CC consideradas imóveis (art.
43, I), quando não mobilizadas.
2. SUJEITOS DO DELITO
Qualquer pessoa pode ser sujeito ativo de usurpação de águas. É quem
desvia ou represa, em proveito próprio ou de outrem, águas alheias. Sujeito
passivo é quem sofre o dano em face do desvio ou represamento.
3. ELEMENTOS OBJETIVOS E SUBJETIVOS DO TIPO
O tipo possui dois verbos: desviar e represar. Desviar significa mudar
o rumo do curso da água. Represar significa impedir que as águas corram
normalmente.
As águas podem ser públicas ou particulares. São públicas, de acordo
com o Código de Águas (Dec. nº 24.643, de 10-7-1934), os mares territoriais,
golfos, baías, enseadas e portos; correntes, lagos e canais, navegáveis ou
flutuáveis; as correntes de que se formam estas águas; as fontes e reserva-
tórios públicos; as nascentes consideráveis; os braços e correntes públicas,
que influam na navegabilidade ou flutuabilidade das mesmas (art. 2º). Aguas
particulares são as nascentes e todas as que se situam em terrenos particu-
lares (art. 8º).
O crime só é punível a título de dolo: vontade de desviar ou represar
águas. Exige-se outro elemento subjetivo do tipo, contido na expressão "em
proveito próprio ou de outrem". Assim, inexiste a tipicidade do fato quando
o sujeito realiza a conduta por outro motivo, como o de vingança, e não
para obter proveito próprio ou de terceiro.
4. ELEMENTO NORMATIVO DO TIPO
O advérbio "alheias" constitui elemento normativo do tipo. Se as águas
desviadas ou represadas são próprias, inexiste a tipicidade do fato.
5. QUALIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA
O crime de usurpação de águas é comum, de dano, material, instantâ-
neo eventualmente permanente e simples.
Comum, pode ser praticado por qualquer pessoa.
Por se tratar de crime de dano, exige a efetiva lesão do bem jurídico
(inviolabilidade patrimonial imobiliária).
Simples, atinge um só interesse jurídico (direito à utilização e gozo
das águas).
É crime instantâneo, consumando-se no momento do desvio ou represa-
mento. Eventualmente, perdurando esses estados, se transforma em perma-
nente.
6. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA
O crime atinge a consumação com o efetivo desvio ou represamento
de águas alheias. É irrelevante que o sujeito, com o desvio ou represamento,
consiga o efetivo proveito próprio ou de terceiro. A tentativa é admissível.
Ex.: o sujeito é surpreendido no ato de iniciar o desvio de um córrego.
7. PENA E AÇÃO PENAL
Aplica-se o que dissemos em relação à alteração de limites.
ESBULHO POSSESSÓRIO
1. CONCEITO E OBJETIVIDADE JURÍDICA
De acordo com o art. 161, § 1º, II, esbulho possessório é o fato de
invadir com violência a pessoa ou grave ameaça, ou mediante concurso de
mais de duas pessoas, terreno ou edifício alheio, para o fim de tirar a posse
da vítima.
Objeto jurídico imediato é a posse do imóvel. De forma secundária, o
tipo penal protege outros objetos jurídicos, como a tranqüilidade espiritual
e a incolumidade física de quem se acha na posse.
2. SUJEITOS DO DELITO
Sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, salvo o proprietário, uma vez
que a figura típica se refere a "terreno ou edifício alheio" (grifo nosso).
Sujeito passivo é o possuidor do imóvel (proprietário, arrendatário,
locador etc.).
3. ELEMENTOS OBJETIVOS DO TIPO
O núcleo do tipo é o verbo invadir, que significa incursionar, penetrar.
É necessário que a invasão se dê:
1º) com violência a pessoa ou grave ameaça;
2º) mediante concurso de mais de duas pessoas.
Na primeira hipótese, o sujeito emprega violência física contra a pes-
soa ou grave ameaça. Na segunda, exige-se no mínimo quatro pessoas: uma
que invade e mais três. O tipo penal se refere a "concurso de mais de duas
pessoas". Não é preciso que todos estejam presentes no local do fato. As-
sim, há o delito de esbulho possessório quando uma pessoa determina a
outras três que invadam terreno alheio.
O CP não tutela a simples turbação da posse. É necessário que o sujei-
to pratique o fato com fim "de esbulho possessório", i. e., que realize o
comportamento com a intenção de espoliar o sujeito passivo do exercício
da posse do imóvel.
4. QUALIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA
Trata-se de crime formal ou de consumação antecipada. A conduta é
invadir, com violência a pessoa ou grave ameaça, ou mediante concurso de
mais de duas pessoas, terreno ou edifício alheio. O resultado visado pelo
agente é o esbulho possessório. Entretanto, para que exista o crime não é
necessário que consiga espoliar o sujeito passivo da posse. É suficiente que
invada com essa intenção. Daí a natureza formal do delito.
5. ELEMENTOS SUBJETIVOS DO TIPO
O crime só é punível a título de dolo, que consiste na vontade de inva-
dir, com violência a pessoa ou grave ameaça, ou mediante concurso de mais
de duas pessoas, terreno ou edifício alheio. Há outro elemento subjetivo do
tipo, contido na expressão "para o fim do esbulho possessório". Assim, a
figura típica exige que o sujeito realize a conduta com um fim determinado:
o de excluir o sujeito passivo do exercício da posse, submetendo o imóvel
à sua disponibilidade.
6. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA
O crime atinge a consumação com a conduta de invadir. É admissível
a tentativa, desde que o sujeito não consiga entrar no terreno ou edifício
alheio por circunstância alheia à sua vontade.
7. PENA E AÇÃO PENAL
Aplica-se o que dissemos em relação à alteração de limites.
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