Extorsão
1. CONCEITO E OBJETIVIDADE JURÍDICA
Extorsão é o fato de o sujeito constranger alguém, mediante violência
ou grave ameaça, e com intuito de obter para si ou para outrem indevida
vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma
coisa (CP, art. 158, caput).
A objetividade jurídica principal é a inviolabilidade do patrimônio.
Tratando-se de crime complexo, fusão de várias figuras típicas, tem por
objetos jurídicos a vida, a integridade física, a tranqüilidade de espírito e a
liberdade pessoal.
A extorsão se assemelha ao roubo em face dos meios de execução,
que são a violência física e a grave ameaça. Entretanto, os dois crimes se
diversificam: na extorsão é imprescindível o comportamento da vítima,
enquanto no roubo ele é prescindível. Assim, no assalto, é irrelevante que
a coisa venha a ser entregue pela vítima ao agente ou que este a subtraia.
Trata-se de roubo. Constrangido o sujeito passivo, a entrega do bem não
pode ser considerada ato livremente voluntário, tornando tal conduta de
nenhuma importância no plano jurídico. A entrega pode ser dispensada pelo
autor do fato. Já na extorsão, o apoderamento do objeto material depende
da conduta da vítima.
Há pontos de semelhança com o constrangimento ilegal (CP, art. 146).
Em ambos, o sujeito emprega violência ou grave ameaça contra a vítima,
no sentido de que faça ou deixe de fazer alguma coisa. A diferença está em
que no constrangimento ilegal o sujeito ativo deseja que a vítima se com-
porte de determinada maneira, sem pretender com isso obter indevida van-
tagem econômica. Na extorsão, ao contrário, o constrangimento é realiza-
do com objetivo expresso: obter indevida vantagem econômica.
Se o sujeito, mediante violência ou grave ameaça, pretende que a ví-
tima realize determinado comportamento para que ele obtenha uma devida
vantagem econômica, responde por exercício arbitrário das próprias razões
(CP, art. 345).
2. SUJEITOS DO DELITO
Não se cuida de crime próprio, mas comum. Em face disso, qualquer
pessoa pode ser sujeito ativo ou passivo.
É possível hipótese de dois sujeitos passivos: um sobre o qual recai a
violência e outro que faz, deixa de fazer ou tolera que se faça alguma coisa.
3. CONDUTA
O núcleo do tipo é o verbo constranger, que significa compelir, coagir.
O sujeito coage a vítima mediante violência, pretendendo que ela faça, tolere
que se faça ou deixe de fazer alguma coisa.
Na primeira hipótese, o sujeito constrange a vítima para que faça al-
guma coisa (algum fato). Ex.: o sujeito, mediante ameaça de morte, faz
com que ela deixe certa importância em determinado local. Na segunda, o
sujeito a compele a tolerar que se faça alguma coisa. Ex.: permitir que o
credor rasgue o título de crédito. Na última, o sujeito compele a vítima a
deixar de fazer alguma coisa. Ex.: deixar de cobrar uma dívida.
4. MEIOS DE EXECUÇÃO
São a violência física e a moral, já estudadas no delito de roubo. Ao
contrário do que ocorre neste delito (CP, art. 157, caput), aqui o legislador
não previu a violência imprópria, consistente no emprego de qualquer meio
para vencer a resistência da vítima, como meio executivo do fato.
5. ELEMENTOS SUBJETIVOS DO TIPO
O primeiro é o dolo. A descrição exige outro elemento subjetivo do
tipo, contido na finalidade de obtenção de vantagem econômica ("com o
intuito de"). Ausente, o fato constitui constrangimento ilegal (CP, art. 146).
6. ELEMENTO NORMATIVO DO TiPO
Nos termos da disposição, a finalidade do sujeito é a obtenção de indevida
vantagem econômica. O tipo exige um elemento normativo, contido na ex-
pressão "indevida". Se se trata de vantagem devida, o fato é atípico diante
da inexistência do elemento normativo, passando a constituir exercício ar-
bitrário das próprias razões (CP, art. 345).
A vantagem deve ser econômica. Tratando-se de vantagem moral, há
constrangimento ilegal (CP, art. 146).
7. QUALIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA
A extorsão é delito formal e não material. Cuida-se de crime cujo tipo
penal descreve a conduta e o resultado, não exigindo a sua produção. A
descrição da conduta se encontra nas expressões "constranger alguém, mediante
violência ou grave ameaça, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer
alguma coisa". O resultado visado pelo agente é a "indevida vantagem
econômica". Note-se que o tipo fala em "intuito de obter para si ou para
outrem indevida vantagem econômica" [grifo nosso]. Assim, é suficiente
que o sujeito constranja a vítima com tal finalidade, não se exigindo que
realmente consiga a vantagem. Cumpre observar que o núcleo do tipo é o
verbo constranger e não obter. Compare-se a figura típica da extorsão com
o tipo do estelionato (CP, art. 171, caput). Neste delito, o núcleo é o verbo
"obter". Em face disso, trata-se de crime material, uma vez que o legislador
não define somente a conduta, mas também o resultado, exigindo a sua
produção. Na extorsão, ao contrário, o núcleo do tipo é o verbo "constran-
ger" e não "obter". A definição legal não exige que o sujeito obtenha a
indevida vantagem econômica.
8. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA
A extorsão atinge a consumação com a conduta típica imediatamente
anterior à produção do resultado visado pelo sujeito. Lendo-se a definição
do art. 158 do CP, vemos que a finalidade do sujeito é a obtenção da indevida
vantagem econômica. O comportamento descrito pelo tipo imediatamente
anterior à produção desse resultado é a conduta da vítima, que faz, deixa de
fazer ou tolera que se faça alguma coisa. Desse modo, consuma-se o delito
com o comportamento positivo ou negativo da vítima, no instante em que
ela faz, deixa de fazer ou tolera que se faça alguma coisa. Não há necessi-
dade de que o sujeito obtenha a vantagem indevida, nos termos da Súmula
96 do Superior Tribunal de Justiça: "o crime de extorsão consuma-se inde-
pendentemente da obtenção da vantagem indevida".
A tentativa é admissível. Ocorre quando o sujeito passivo, não obstante
constrangido pelo autor por intermédio da violência física ou moral, não
realiza a conduta positiva ou negativa pretendida, por circunstâncias alheias
a sua vontade.
9. FIGURAS TÍPICAS QUALIFICADAS
De acordo com o art. 158, § 1º, do CP, se o crime é cometido por duas
ou mais pessoas, ou com emprego de arma, aumenta-se a pena de um terço
até metade. Nos termos do § 2º, aplica-se à extorsão praticada mediante
violência o disposto no § 3º, do art. 157. Ocorrendo morte, o crime é con-
siderado hediondo, nos termos do art. 1º da Lei nº 8.072, de 25-7-1990.
Essas qualificadoras já foram estudadas no delito de roubo, aplican-
do-se aquilo que dissemos a esse respeito.
10. PENA E AÇÃO PENAL
A extorsão simples é apenada com reclusão, de quatro a dez anos, e
multa (CP, art. 158, caput). Se o crime é cometido por duas ou mais pes-
soas, ou com o emprego de arma, aumenta-se a pena de um terço até meta-
de (§ 1º). Aplica-se à extorsão praticada mediante violência o disposto no
art. 157, § 3º, do CP. Neste caso, encontrando-se a vítima nas condições do
art. 224 do CP, a pena é agravada de metade, nos termos do art. 9º da Lei
nº 8.072, de 25-7-1990, que dispôs sobre os delitos hediondos.
A ação penal é pública incondicionada.
Extorsão Mediante Seqüestro
. CONCEITO E OBJETIVIDADE JURÍDICA
O fato é definido como "seqüestrar pessoa com o fim de obter, para si
ou para outrem, qualquer vantagem como condição ou preço do resgate"
(CP, art. 159).
A objetividade jurídica imediata é a inviolabilidade do patrimônio. De
forma secundária, o CP tutela também a liberdade de locomoção. Trata-se de
delito complexo, em que, a um tempo, o legislador protege dois bens jurídi-
cos: um referente ao patrimônio e outro concernente à liberdade pessoal.
2. SUJEITOS DO DELITO
Não se trata de crime próprio, mas comum. Assim, qualquer pessoa
pode ser sujeito ativo ou passivo.
Pode ocorrer hipótese de dois sujeitos passivos: um que é seqüestrado
e outro a quem se dirige a intenção do agente de obter qualquer vantagem,
como condição ou preço do resgate. Ex.: o sujeito seqüestra uma criança,
pretendendo obter resgate de seus pais. Há dois sujeitos passivos. Um, a
criança; outro, seu representante legal.
3. CONDUTA
O núcleo do tipo é o verbo seqüestrar. Nos termos do art. 148 do CP,
existem duas formas de o sujeito privar a vítima de sua liberdade de loco-
moção: seqüestro e cárcere privado. Daí a questão: é possível a prática de
"extorsão mediante cárcere privado"?
Segundo entendemos, o legislador, no art. 159 do CP, empregou a expres-
são "seqüestro" em sentido amplo, abrangendo o cárcere privado. Em face
disso, admitimos extorsão mediante seqüestro ou cárcere privado. Caso con-
trário, se se entendesse apenas existir extorsão mediante seqüestro, estaria
o legislador punindo mais severamente fato menos grave: o cárcere priva-
do constitui evento de maior gravidade que o seqüestro.
4. ELEMENTOS SUBJETIVOS DO TIPO
O primeiro é o dolo, vontade livre e consciente de seqüestrar a vítima.
O crime exige outro elemento subjetivo do tipo, contido na expressão "com
o fim de obter para si ou para outrem...". Essa intenção, tendente a que o
sujeito obtenha, para ele ou para terceiro, qualquer vantagem, como condi-
ção ou preço do resgate, é que diferencia o delito de seqüestro ou cárcere
privado do crime descrito no art. 159. A inexistência desse elemento subje-
tivo do tipo o leva a responder por delito previsto no art. 148 do CP.
5. RESULTADO
Enquanto na descrição típica do crime de extorsão (art. 158) o legis-
lador emprega a expressão "indevida vantagem econômica", na extorsão
mediante seqüestro fala em "qualquer vantagem". Daí a questão: e se a
vantagem é devida e não econômica?
Entendemos que a expressão "qualquer vantagem" diz respeito a "qual-
quer vantagem mesmo", sendo irrelevante que seja devida ou indevida, econô-
mica ou não econômica. Se exigirmos que a vantagem seja econômica e
indevida, como ocorre na extorsão, não estaremos diante da tipicidade do
fato, uma vez que o CP fala em "qualquer vantagem", não a especificando.
Que "qualquer vantagem" é esta que precisa ser econômica e indevida?
Assim, se o sujeito pretende apenas seqüestrar ou encarcerar a vítima, sem
qualquer finalidade ulterior que não a da privação de sua liberdade, respon-
de por crime de seqüestro ou cárcere privado (art. 148). Se, entretanto, agir
com finalidade de produção de resultado ulterior, econômico ou não, devi-
do ou não, responderá por extorsão mediante seqüestro. É claro que esta
não foi a vontade do legislador, que desejou que a vantagem fosse indevida
e econômica. Entretanto, depois que a lei entra em vigor se desvincula de
sua vontade. E, no caso, a expressão qualquer vantagem é significativa,
não suportando distinção quanto à sua qualidade. Tanto é que o CP de 1969,
em seu art. 169, corrigia o erro técnico: "Extorquir ou tentar extorquir, para
si ou para outrem, mediante seqüestro de pessoa, indevida vantagem eco-
nômica". Assim, não concordamos com a posição segundo a qual, tratando-
se de vantagem devida, responde o sujeito pelo delito de exercício arbitrá-
rio das próprias razões, e, cuidando-se de vantagem econômica, por delito
de seqüestro ou cárcere privado.
A lei se refere à "condição ou preço do resgate". A expressão "condi-
ção" se refere a fato que o sujeito pretende seja praticado pela vítima a fim
de que liberte o sujeito passivo. O preço é o valor dado pelo autor a fim de
que libere o ofendido.
6. QUALIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA
Trata-se de crime permanente, cuja consumação se alonga no tempo.
Assim, enquanto a vítima estiver submetida à privação de sua liberdade de
locomoção o crime estará em fase de consumação.
É delito complexo, resultando da fusão da extorsão (CP, art. 158) e do
seqüestro ou cárcere privado (CP, art. 148).
Cuida-se também de crime formal, uma vez que o tipo não exige a
produção do resultado visado pelo agente, contentando-se com a finalidade
de obtenção da vantagem.
É considerado hediondo, nos termos do art. 1º da Lei nº 8.072, de
25-7-1990.
7. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA
A extorsão mediante seqüestro se consuma nos mesmos termos do
seqüestro (art. 148). Assim, o momento consumativo ocorre com a priva-
ção da liberdade de locomoção da vítima, exigindo-se tempo juridicamente
relevante. A tentativa é admissível, ocorrendo quando o sujeito não conse-
gue seqüestrar a vítima, com a finalidade específica, por circunstâncias alheias
à sua vontade. Ex.: o sujeito está colocando a vítima em seu automóvel,
para o fim de extorquir dinheiro de seu parente, quando é interrompido por
terceiro.
8. TIPOS CIRCUNSTANCIADOS
De acordo com o art. 159, § 1º, do CP, o crime é qualificado se o
seqüestro dura mais de 24 horas, se o seqüestrado é menor de 18 anos, ou
se o crime é cometido por bando ou quadrilha.
A primeira qualificadora diz respeito à circunstância de o seqüestro
durar mais de 24 horas. A razão da agravação da pena reside em que a
privação da liberdade por período superior a um dia causa maior lesão ju-
rídica ao direito de locomoção do ofendido.
No segundo caso, o CP leva em consideração a idade do seqüestrado,
menor de 18 anos, em face do maior alarme e temor causado à família.
Cuidando-se, entretanto, de menor de 14 anos de idade, não se aplica o § 1º
e sim o art. 9º da Lei nº 8.072, de 25-7-1990, que dispôs sobre os delitos
hediondos, devendo a pena ser acrescida de metade, respeitado o limite
superior de trinta anos de reclusão. Para tanto, é preciso que o dolo do
sujeito tenha abrangido a idade da vítima (dolo abrangente), admitindo-se
o erro de tipo (CP, art. 20). Cometido o delito na data do aniversário do
sujeito passivo (14 anos), impõe-se a agravação da pena (não é maior de 14
anos de idade). Leva-se em conta a data da conduta, nos termos do art. 4º
do CP (tempo do crime). Assim, ocorrendo o seqüestro antes de a vítima
completar os 14 anos de idade, vindo a falecer em conseqüência do fato
depois de seu aniversário, a pena do tipo qualificado (§ 3º) é acrescida de
metade. Nesse caso, despreza-se a agravante genérica do art. 61, II, h, do
CP (delito cometido contra criança).
O CP, no § 4º, previa uma causa de diminuição de pena: "Se o crime
é cometido por quadrilha ou bando, o co-autor que denunciá-lo à autorida-
de, facilitando a libertação do seqüestrado, terá sua pena reduzida de um a
dois terços".
A disposição tratava da "delação premiada", pela qual, na extorsão
mediante seqüestro cometida por quadrilha ou bando, o delator, desde que
com suas informações a autoridade pudesse libertar a vítima pessoal, tinha
reduzida a pena. Exigia-se que o delito tivesse sido cometido por quadrilha
ou bando (CP, art. 288). Diante disso, ainda que eficaz, a informação des-
leal não aproveitava na hipótese de crime cometido por dois ou três seqües-
tradores. Assim, se um, dentre dois ou três, denunciasse seus comparsas,
não podia ser favorecido pela redução da pena. Empregando a norma a
expressão "quadrilha ou bando", indicava a necessidade de, pelo menos,
quatro seqüestradores. Além disso, o termo "co-autor" estava mal empre-
gado, uma vez que no delito realizado em concurso de pessoas podemos ter
co-autores e partícipes. A disposição, beneficiando o co-autor, excluía o
partícipe. Daí por que dizíamos que o legislador havia pretendido referir-se
ao participante (gênero), abrangendo o co-autor e o partícipe (espécies).
A Lei nº 9.269, de 2-4-1996, que entrou em vigor no dia seguinte
(DOU, 3 abr. 1996), veio corrigir as falhas. Nos termos de seu art. 1º, o
referido § 4º passou a ter a seguinte redação: "Se o crime é cometido em
concurso, o concorrente que o denunciar à autoridade, facilitando a liberta-
ção do seqüestrado, terá sua pena reduzida de um a dois terços".
A antiga menção à "quadrilha ou bando" foi substituída pelo termo
"concurso". Refere-se a norma ao concurso de pessoas (CP, art. 29), de
modo que a circunstância aproveita a todos os participantes, ou, como diz
a lei, concorrentes, estendendo-se a co-autores e partícipes. Excluída a
exigência de ter sido o delito praticado por quadrilha ou bando, o privilégio
alcança a hipótese de concurso de dois ou três seqüestradores. Por isso, em
face da lei nova, cometido o crime, v. g., por duas pessoas, seja caso de co-
autoria ou participação, o delator deve ser beneficiado pela diminuição da
pena, desde que eficazes as informações, i. e., desde que a traição tenha
permitido a libertação da vítima. A disposição, de natureza penal, é retroa-
tiva. A denúncia diz respeito ao crime e não ao bando (a expressão "denunciá-
lo" está ligada ao "crime"). Não basta a simples denúncia, exigindo o tipo
a efetiva libertação da vítima. Trata-se de uma causa de diminuição de pena
de caráter obrigatório, variando a redução de acordo com a maior ou menor
contribuição do sujeito para a libertação do seqüestrado.
9. FIGURAS TÍPICAS QUALIFICADAS PELO RESULTADO
De acordo com o art. 159, § 2º, do CP, se do fato resulta lesão corpo-
ral de natureza grave, a pena é de reclusão de 16 a 24 anos. Nos termos do
§ 3º, se resulta a morte, a reclusão é de 24 a 30 anos.
Enquanto no roubo e na extorsão o Código se refere a esses resulta-
dos, morte e lesão corporal grave, advindos do emprego de violência, aqui
o CP fala que devem derivar "do fato". Assim, é irrelevante que a morte ou
a lesão corporal de natureza grave seja resultado da violência física ou dos
maus-tratos causados pelo autor à vítima. É necessário que a morte ou a
lesão corporal de natureza grave seja produzida "no seqüestrado", uma vez
que o CP diz que essas qualificadoras devem decorrer "do fato", evidente-
mente, do seqüestro. Assim, diz a Exposição de Motivos do CP de 1940:
"Se do fato resulta a morte do seqüestrado, é cominada a mais rigorosa
sanção penal do Projeto: reclusão de 20 a 30 anos" (nº 57). Dessa forma,
se ocorrer a morte, não do seqüestrado, mas do sujeito passivo da lesão
patrimonial, por exemplo, o pai do ofendido, haverá concurso de delitos e
não tipo qualificado pelo resultado. As qualificadoras são punidas a título
de dolo ou culpa.
10. PENA E AÇÃO PENAL
A extorsão mediante seqüestro é punida com reclusão, de oito a quin-
ze anos (CP, art. 159, caput). Se o seqüestro dura mais de vinte e quatro
horas, se o seqüestrado é menor de dezoito anos, ou se o crime é cometido
por quadrilha ou bando, a reclusão é de doze a vinte anos (§ 1º). Se do fato
resulta lesão corporal de natureza grave, a reclusão é de dezesseis a vinte
e quatro anos (§ 2º); se resulta morte do seqüestrado, a reclusão é de vinte
e quatro a trinta anos (§ 3º).
Encontrando-se a vítima nas condições do art. 224 do CP as penas são
agravadas de metade, nos termos do art. 9º da Lei nº 8.072, de 25-7-1990.
Sobre o tema, remetemos o leitor ao que dissemos em relação ao art. 157,
§ 3º, do CP.
A idade da vítima seqüestrada tem relevância na classificação típica
do fato:
1º) se tem 18 anos de idade ou mais, aplica-se a pena do tipo em que
o fato incidiu, sem alteração;
2º) se é menor de 18 anos, porém não é maior de 14, aplica-se o § 1º,
salvo a incidência dos §§ 2º ou 3º;
3º) se a vítima é menor de 14 anos, ou está completando essa idade na
data do crime, incide o art. 9º da Lei nº 8.072, de 25-7-1990, agravando-
se a pena de metade.
O CP, em sua redação original, impunha multa a todas as formas típi-
cas da extorsão mediante seqüestro. A Lei nº 8.072, porém, ao agravar a
reação penal no tocante aos delitos hediondos, omitiu referência à pena
pecuniária. Diante disso, revogou os preceitos secundários do art. 159 do
CP, na parte em que cominavam multa. Os novos preceitos, nessa parte, são
mais benéficos que os anteriores. Por isso, têm efeito retroativo, aplicando-
se o art. 2º, parágrafo único, do CP.
A ação penal é pública incondicionada. Significa que o inquérito po-
licial, para ser instaurado, não se condiciona a qualquer exigência. E a ação
penal, por intermédio de denúncia, não se subordina a nenhuma condição
de procedibilidade.
Extorsão Indireta
1. CONCEITO E OBJETIVIDADE JURÍDICA
Nos termos do art. 160 do CP, extorsão indireta constitui o fato de
"exigir ou receber, como garantia de dívida, abusando da situação de al-
guém, documento que pode dar causa a procedimento criminal contra a
vítima ou contra terceiro". O CP, na espécie, protege a propriedade e a
liberdade de autodeterminação.
De acordo com a Exposição de Motivos do CP de 1940, a incriminação
visa "a coibir os torpes e opressivos expedientes a que recorrem, por vezes,
os agentes da usura, para garantir-se contra o risco do dinheiro mutuado.
São bem conhecidos esses recursos, como, por exemplo, o de induzir o
necessitado cliente a assinar um contrato simulado de depósito ou a forjar
no título de dívida a assinatura de um parente abastado, de modo que, não
resgatada a dívida no vencimento, ficará o mutuário sob a pressão da amea-
ça de um processo por apropriação indébita ou falsidade" (nº 57).
2. SUJEITOS DO DELITO
Sujeito ativo é quem exige ou recebe, como garantia de dívida, documento
que pode dar causa a procedimento criminal contra a vítima ou contra terceiro.
Não se tratando de crime próprio, qualquer pessoa pode ser autor do fato.
Sujeito passivo é, em primeiro lugar, quem entrega o documento ao
sujeito ativo. Pode ocorrer, entretanto, que haja dois sujeitos passivos: um
que entrega o documento e outro contra quem pode ser iniciado o proce-
dimento criminal.
3. ELEMENTOS OBJETIVOS DO TIPO
O tipo penal possui dois núcleos: os verbos "exigir" e "receber". Exi-
gir significa reclamar, obrigar. Neste caso, o sujeito impõe à vítima, como
condição da entrega da prestação em dinheiro ou qualquer valor, o docu-
mento que pode dar causa a procedimento criminal contra ela ou contra
terceiro. No segundo caso, é a própria vítima que entrega ao sujeito o do-
cumento como garantia da dívida. Nesta última hipótese, a iniciativa cabe
ao ofendido, que procura o sujeito ativo, a ele entregando o documento
incriminador.
Exige-se que o sujeito abuse da situação financeira da vítima. Assim,
é requisito indeclinável do tipo a existência de uma situação angustiosa do
ofendido, que o faz, premido pela necessidade, entregar, como garantia da
dívida, ao sujeito ativo, o documento ilícito. Cumpre observar que a lei se
refere à situação aflitiva de "alguém". Assim, a situação opressiva pode
não ser da vítima, mas de terceiro.
É necessário que o documento, público ou particular, possa dar causa
à instauração de um procedimento criminal (ação penal) contra alguém.
Exs.: cheque sem fundos, documento falso, confissão da prática de delito
etc. Não é necessário que o procedimento criminal tenha início. É suficien-
te que o documento "possa" dar causa a tal iniciativa. Quanto ao cheque
sem fundos, subsiste a extorsão indireta ainda quando emitido como garan-
tia de dívida, pós-datado ou assinado em branco. O tipo não exige que se
trate realmente de crime ocorrido ou que haja elementos no sentido de uma
condenação: basta que possa ser instaurado processo contra alguém. Ora, a
emissão de cheque sem provisão de fundos, por si só, leva à possibilidade
de instauração de processo criminal.
4. QUALIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA
Na conduta de "exigir", o crime é formal. Nesta hipótese, o fato se
perfaz com a simples exigência, independentemente de o sujeito ativo
efetivamente conseguir o documento que pode dar causa à instauração de
procedimento criminal contra alguém. No segundo caso, no verbo "rece-
ber", o delito é material, exigindo a efetiva entrega do documento.
5. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA
No núcleo "exigir", o crime atinge a consumação com a simples exigência,
independentemente de qualquer resultado ulterior. Neste caso, se o com-
portamento é realizado verbalmente, não há possibilidade de tentativa; se,
por escrito, doutrinariamente é possível. É o caso da carta extraviada em
que consta uma exigência.
Na conduta de "receber", o delito atinge a consumação com a efetiva
entrega do documento ao sujeito ativo. Neste caso, tratando-se de delito
material, a tentativa é admissível.
6. ELEMENTOS SUBJETIVOS DO TIPO
O crime só é punível a título de dolo, que se expressa na vontade de
exigir ou receber, como garantia de dívida, determinado documento. A figu-
ra típica exige, além deste, outro elemento subjetivo, contido na expressão
"abusando da situação de alguém". É necessário que o sujeito tenha cons-
ciência de que está abusando da situação financeira aflitiva do ofendido.
7. PENA E AÇÃO PENAL
A pena é de reclusão, de um a três anos, e multa.
A ação penal é pública incondicionada. O inquérito policial, para ser
instaurado, não se condiciona a qualquer exigência. A ação penal não está
subordinada a nenhuma condição de procedibilidade.